sábado, 7 de fevereiro de 2015

Parte 2 (final) A LAGARTA NO PRATO DA SALADA

ECOLOGIA

                                                             Foto: Google-Internet 
Tema: A lagarta no prato da salada (Segunda Parte, final)
Paulo Lisker
Israel



As carnes servidas em Raabelandia são procedentes dos melhores campos da região pastoril do Estado Rio Grande do Sul e conhecidas pela sua boa qualidade, tenras, exigidas em especial para um bom churrasco gaúcho*. Se não me engano lá estava localizado um moderníssimo matadouro regional.
Dos matadouros da área (ou abatedouros, como são de costume denominados), são enviados os "cortes" (carnes retalhadas ), para a distribuição nos açougues, churrascarias e nos melhores restaurantes de Porto Alegre e são muito apreciadas pelo paladar local.
Então vamos nós, mãos a obra.
Com as barrigas roncando de fome, mesmo  que "mortos do cansaço", pela longa viagem nas estradas de barro vermelho, entramos no recinto amplo da primeira churrascaria,  prontos que nem canibais para devorar o "que der e vier" (qualquer coisa comestível), proveniente das brasas das churrasqueiras gauchas.
O recinto estava iluminado por dezena de lâmpadas néon. Era tanto fogo e fumaça dos braseiros por todo lado que até parecia a "boca do inferno". Mas o cheiro da carne na brasa era mesmo infernal e deixava agua na boca de qualquer mortal.
As diversas carnes estavam dependuradas nos espetos para o preparo e toque final dos "mestres" e assim chegar ao ponto de ir para a mesa de "famintos" com o melhor sabor possível (segredo profissional me foi sussurrado por um gaúcho entendido na matéria de como preparar um bom churrasco é que afora o sal grosso nada mais é adicionado a carne antes de ir as brasas).
A esta hora da noite, ceavam uns poucos "gatos pingados" (pouca gente), em geral "camioneiros", indo ou voltando levando ou trazendo mercadorias.
Para complementar a situação criada no interior da churrascaria só faltava a conhecida canção o "camioneiro" de Roberto Carlos como fundo musical, mas na realidade o que se ouvia nos alto falantes da velha vitrola automática era um tango argentino. Mas tudo bem, numa hora dessas da noite tudo é passível.
Corremos todos para o banheiro "comandados" por uma ordem do sub consciente que ordenava: "verter água" (urinar).
Lavamos bem as mãos e para enxugá-las, nos ofereceram toalhinhas limpas, alvas como neve, coisa não muito comum nas churrascarias do interior. Em geral as toalhas em uso já teriam sido usadas por dezena de outros "comelões" que chegaram antes de nós e ali ficaram penduradas até o fim da noite quando seriam levadas para a lavandaria e estarem prontas para o amanhã quando o próximo dia raiar. No nosso caso foi uma agradável surpresa receber toalhas limpas e engomadas.
Atendeu-nos o próprio dono do negocio, filho de alemães, o senhor Strohsacke ("saco de palha"), tradução livre do alemão.
Muito gentil o homem, com certeza produto da educação germânica recebida dos seus pais em casa.
Apresentou-nos o garçom responsável (senhor Esperança ou Primavera, já não "ponho a mão no fogo" pelo nome real), os dois serventes (Josio e Estácio) que nos atenderiam servindo trazendo os espetos com as carnes e tudo mais que fosse pedido para a nossa mesa.
Perguntou se queríamos um garrafão de vinho tinto do Rio Grande, que seria por conta da casa. De uma forma educada, recusamos. 
-Nada de álcool. Só água mineral e Tônica, pois temos ainda um pedaço de chão pra percorrer até chegar a Porto Alegre e queremos chegar inteiros em casa, disse o "verdureiro" da nossa equipe técnica.
-Não levem a mal, porém o cansaço, vinho tinto, barriga cheia e manejar não é muito conveniente, e desculpem, mas não com uma "N", maiúscula (uma maneira de recusar em Israel categoricamente uma oferta de outrem).
O alemão aceitou a nossa recusa por não receber, nem de graça, o garrafão de vinho e saiu de lá para o lado da cozinha com um sorriso por baixo do bigode loiro ao estilo do fuhrer .  
Eu não sei não, porém me dava a impressão que aquele alemão ou seus pais eram nazistas que vieram fugidos para o Brasil depois da segunda guerra mundial na Europa com passaportes falsos, gentilmente cedidos pelo Vaticano, cúmplice na ajuda e na fuga de centena de criminosos de guerra nazistas, encaminhados e amigavelmente absorvidos no cone sul das Américas, a saber, Argentina, Brasil e Paraguai
Eu até já imaginava que com toda certeza na sua bela residência na Estância Hortência de propriedade dos Strohsacke fora comprada com o dinheiro e outros pertences roubados dos infelizes judeus enviados aos campos de concentração e incinerados para apagar toda e qualquer prova deste crime horrendo contra o povo judeu e toda a humanidade. 
Só poderia ser assim, pois com as economias de um sargento das tropas nazista, não seria possível.
Imaginava eu que nas paredes e sobre os moveis deveriam estar cheias de suásticas e outras "lembranças" que representavam o terceiro reich e seu líder, o fuhrer Adolf Hitler.
Juro que me deu uma agonia danada e um nó na garganta, até perdi a fome. Mas o que fazer, o interior do Rio Grande do Sul estava cheio dessa gente, fina, educada de olhos claros e com um sotaque europeu que lembrava as canções "Yodel" dos campos da Bavaria. 
Mas, "Zebu"(o nosso zootécnico), que já vinha "morto de fome" (faminto), ordenou: 
-"Deixa de sonhar "tonterias" (besteiras, no bom espanhol), vamos nos sentar à mesa que o alemão nos destinou e abrir o apetite devorando os espetos com as melhores carnes do Rio Grande".**
Assim fizemos. Sentamos limpamos o prato e os talheres com os guardanapos de papel, costume que aprendi no interior do Rio Grande e quando perguntei o porquê da coisa, me disseram que não se pode confiar no pessoal da cozinha especialmente nos lavadores de pratos, pois eles mesmo comem com as mãos e não dão muita importância a higiene, desta forma os pratos e talheres voltam as mesas não muito bem lavados. Então por medida de segurança os guardanapos eram a solução. Todos nós fizemos o ato de esfregar os pratos e talheres com os guardanapos em geral de papel e denominados no Rio Grande : "servilhetas".
Agora estávamos prontos para comer um boi inteiro e logo pedimos mais guardanapos, pois os que estavam sobre a mesa se esgotaram e observamos que os poucos clientes das outras mesas levavam os guardanapos das mesas vizinhas sem nenhuma vergonha como se aquilo fora uma norma cotidiana de uso nas churrascarias do sul do país.
Não durou dois minutos e já trouxeram os chorizos e salsichões pingando de gordura (ou banha) que este produto gostoso contém, depois que saíam chiando das brasas.
Onde está à farinha? Perguntou o nosso "engenheiro hídrico". -Sem farinha, como vamos secar a banha destes chorizos?
Correu o garçom Josio e trouxe logo dois potes de farinha de mandioca e também três garrafinhas de "piri-piri" (pimenta brava, picante danada que nem a nossa malagueta nordestina).
-Todo jóia? Perguntou o garçom Estácio.
-Tudo jóia, tudo jóia, respondemos em coro.
- Por favor senhor garçom, poderia me obsequiar trazendo da cozinha um tomate, um pepino, meia cebola, um pimentão, um bocado de coentro, 3-4 folhas de alface e o azeite de oliva?
Responde Estácio meio "encabulado" (outro vocábulo para a palavra envergonhado) : 
-Doutor a essa hora da noite já as verduras ficam, o senhor sabe como é, meio murchas, as saladas estão a vossa disposição naquela mesa no centro do salão, se o senhor quiser vou trazer para vosmecê, logo, logo, é só o senhor ordenar.
-Obrigado, mas eu quero o que pedi, eu mesmo vou fazer a minha salada ao meu gosto,  faz favor traga as verduras que lhe pedi!
O "Zebu" (nosso zootécnico) meio espantado com o pedido, pergunta: "Hídrico", ali no meio do salão está uma mesa cheia de saladas de todos os tipos e mira como está tudo tão fresquinho, vai lá e pega ou diz ao garçom que o faça.
Hídrico já meio abusado (aborrecido), diz para o "Zebu": 
-Não te metas no que não te compete, come como tu gostas e eu como do jeito que me apetece. Escuta, tem duas coisas que não como em restaurantes, uma delas é salada de verduras e a outra é canja de galinha.
E isto por que ? Retruca "Zebu".
-Tu vês toda aquela beleza de frescura das hortaliças, tudo como se fosse colhido agorinha mesmo da horta. Tu sabes como conseguem que as saladas fiquem desse jeito horas e horas?
-Não tenho a mínima idéia, pois na minha casa quem prepara a salada é minha patroa ou a empregada.
-Pois bem vou te dizer como as hortaliças ficam tão fresquinhas, tas ouvindo?
Fica desse jeito por que não usam o vinagre industrial  por melhor que seja, segundo a propaganda comercial.
O vinagre pelo melhor que seja tem a tendência de murchar as verduras de folhas.  Então a alface e outras, depois de certo tempo ao ar livre, ficam "feinhas", tendem a murchar, perdem aquela cor verde tão bonita e para remediar este fenômeno negativo, usam urina! Não sei se é do filho do alemão ou do cozinheiro,  foi por isso que pedi as verduras em separado e eu mesmo faço minha salada, entendestes?
Regado ao "vinagrete gaúcho" (urina), comam vocês, eu, nem a pau!  Disse com toda autoridade o nosso engenheiro hidrólogo.
Hei vocês que estão comendo carne e foram buscar salada, estão sentindo a celestial leve acidez como se fora o melhor e mais fino vinagre do mundo? Este fino "vinagrete gaúcho", agora vocês sabem donde ele deriva e agradeçam ao filho do alemão por não estar com blenorragia!
Bem, os que já engoliram parte da salada, não têm mais o que fazer, pelo menos ganharam experiência e isso vale muito na vida.
Todos afastaram para um canto da mesa os pratos ainda cheios de lindas e frescas saladas de "verduras mijadas".

As carnes continuavam chegando, mais e mais.
O dois garçons não paravam um minuto, era filé, alcatra, lombo, cinta, era costeleta de porco, frango assado, testículos, rins dos touros recém abatidos. Não tinha fim, era carne à beça, fartura desse jeito só mesmo nas churrascarias gaúchas.
O "verdureiro", mastigando e engolindo a alcatra mal passada depois que devorou as costeletas dum porquinho de tenra idade ficou deveras intrigado e depois que provou inocentemente sua porção de salada mijada, perguntou: 
-Por que tu não tomas canja de galinha? Que tens contra ela? Dizem que ela é o melhor antibiótico natural para curar resfriados e fraquezas do corpo em geral,  pelo menos é o que dizem os judeus do Recife e da Europa.  
-Isto é "lenda urbana" e está tão arraigada na população que as melhores universidade dos Estados Unidos e Alemanha andaram fazendo pesquisas sobre este "fenômeno", porem chegaram a resultados contraditórios. Conclusão importante foi que a "canja de galinha" usada na recuperação de enfermos não pode fazer mal a ninguém mas curar gripes e resfriados é mesmo "lenda urbana", podes crer.
Agora que já sei do "vinagrete" na salada, quero saber que estória tu tens contra a canja, vai diz pra gente!
-Muito simples. Isso me disse um dos melhores professores de fisiologia animal do Curado:
"A canja de galinha contém a ultima urina que a ave não expeliu antes de ser degolada".
-E com os outros bichos não se dá o mesmo? Perguntou o "Zebu".
-Não, os quadrúpedes tem bexiga e lá se concentra este liquido e que eu saiba ninguém come este órgão e em sopa, muito menos.
Interfere na conversa o planificador (enciclopédia ambulante): 
-Olha, acredite se quiser. Eu já presenciei muito abate no matadouro de Peixinhos no Recife e na realidade quando a rês vê a morte diante do focinho, ela se mija e se caga, deixando estes dejetos neste mundo, assim também o sangue, que corre todinho para o esgoto. 
-Pode ser que esse cara tem razão. Vou pedir a minha patroa que retire para sempre a canja de frango do nosso cardápio normal . Para crianças com gripe, melhor dar o clássico xarope "São João ou uma infusão infantil  feita em casa com folhas tenras de limoeiro, acredite-me,  não tem nada melhor. Imagina dar aos garotos a tal "canja de galinha" com a ultima urina que a coitada não eliminou ainda em vida. Que os judeus a usem como antibiótico. Na minha casa nunca mais.
Todos em volta da mesa ficaram olhando como um dos nossos técnicos em desenvolvimento agrícola deixou as teorias para os relatórios do Banco Mundial e preparava ele mesmo a sua salada de verduras com aquelas que pediu ao garçom trazer da dispensa das verduras e frutas.
Cortou o rabanete, o tomate, o pepino, a cebola, colocou tudo junto num prato limpo, porém antes colocou as quatro folhas de alface que foram colhidas na horta da churrascaria minutos antes e finalmente despejou as verduras já cortadas em cima delas. O azeite de oliva português (se não me engano ou me falha a memoria era o azeite de olivas "Sol Levante" que vinha em lata), em cima das verduras bem cortadinhas começou a adicionar o sal e a pimenta. Aí aconteceu o inesperado, devagarinho de baixo das folhas de alface saiu uma linda e gorda lagarta verde, peluda e de cara amarela, antenas e olhos negros.
Qual não foi a surpresa e o nojo que sentiram todos os presentes. 
"Porra" vê só aquilo ali! Ta se mexendo, vê só!
"Olha uma lagarta, olha uma lagarta na tua salada que nojo". Todos acudiram para ver o fenômeno, só o "Zebu" sentado e na maior calma e  com a máxima autoridade de um veterano ex-estudante de zootecnia da universidade de Sofia, capital da Bulgária, disse:  
-Chama o dono desta baderna, que ele mesmo venha ver isso, e o chefe dos garçons, aquele de paletó verde que parece um gafanhoto fantasiado de esperança.  Meu Deus, faz alguma coisa, me dá vontade de vomitar, dizia outro . 
Só o nosso "verdureiro" que fazia ele mesmo a sua salada, com um leve sorriso e com muita calma dizia a todos: 
- "Não precisa chamar a ninguém. Aqui está é a maior prova que estas hortaliças foram produzidas pelo sistema de agricultura orgânica, ecológica perfeita, intocável  e sem defensivos de espécie alguma. Só assim  poderíamos ter este espetáculo divino de uma linda lagarta verde no prato da minha salada. Pena que a coitadinha levou um banho de azeite. Me tragam imediatamente muitos guardanapos pois vou com muito cuidado limpá-la e colocá-la de volta na horta e quem sabe ela ainda se transformará numa linda borboleta. Viva a natureza e a ecologia que tanta gente prioriza antes de qualquer outra coisa.
Isso é uma prova contundente para aqueles que defendem este tipo primitivo de agricultura sustentável e sem defensivos de espécie alguma.
Não reclamem que tem "bichos" na comida, pois são inerentes desta metodologia "humanista" em que todos os seres vivos têm o direito de existir e procriar, aí está! Lagarta na salada, Deus é grande.
Seria bom acrescentar que os dois garçons desapareceram, o chefe deles (Esperança), este vestido de fraque verde, desmaiou e tiveram que despejar sobre ele um jarro de água fria, e o dono, o sacana nazista alemão se desdobrava em amabilidades pedindo mil desculpas em todas as línguas do mundo. Um espetáculo!      
A conversa estava boa, ninguém esperava que um espetáculo desses acontecesse nesta noite. Uma surpresa, uma grande surpresa.
Muito arroto fedorento (Grepsn, em iídiche), mas a hora avançada se fazia presente, então pediram a conta. Dividiram a despesa, agradeceram ao filho do alemão (o pai com certeza nazista, pois fora raras exceções quase todos os súditos  dessa raça, assim o eram). Os dois garçons voltaram depois do "choque com a lagarta", porém pálidos como a cal.
Pagamos a conta e deixamos para eles uma boa gorjeta e ainda ouvimos ao sair alguém dizer em tom de deboche:
- "Quando tiverem com fome, voltem aqui"! 
Assim é, quando se paga o bem com o mal.
Meteram-se no Fusca, trocaram de motorista, agora era o Zebu, no volante.
Cruzamos pequenos povoados e o pontilhão do Riacho da Alemoa (Tem um rio com este nome, não é potoca). Insetos se suicidando no pára-brisa. Voltaram os pirilampos, será que estes insetos superaram a urbanização e ainda hoje iluminam os caminhos e veredas dos transeuntes durante as noites quentes nas áreas suburbanas deste Brasil?
Já de longe avistamos o Guaíba (Estuário de agua doce, derivado do rio Guaíba, mais se parece o oceano), cortamos as distancias pelas pontes que dão acesso a Porto Alegre.
Chegamos em casa cansados porem satisfeitos. Missão cumprida.
Só que a lagarta verde, fruto da ecologia bem cuidada, não me saia da cabeça. Só que não me volte nos sonhos.
Dentro do Fusca estacionado no quintal da minha casa, ainda "lampejavam" um ou outro pirilampo agonizando, sentindo a morte próxima.
Estes foram os últimos que vi na minha vida. 
Ecologia, ecologia minha gente, pois pirilampo no ar e linda lagarta verde, entre as folhas da alface no prato da minha salada numa churrascaria no interior do Rio Grande do Sul é o sinal mais evidente de agricultura orgânica, sustentável, sem tóxicos é a ecologia inquebrantável  que dará em breve seu último lampejo de vida assim como os pirilampos (vagalumes), nos campos do Rio Grande, se Deus quiser.
Já estamos no finzinho desta croniqueta, me lembro, não sei quem, perguntou:
-"De onde você sabe fazer a sua salada de verduras, como lhe vi fazendo na churrascaria"?
  E a resposta foi: Na década dos 50 vivi durante anos num Kibutz (assentamento comunal)          e   naquele tempo no refeitório nas horas das refeições em cada mesa colocavam uma bandeja             cheia de verduras da  nossa horta e cada um segundo o seu gosto escolhia aquelas                        hortaliças que lhe apetecia e fazia a sua salada, daí vem a experiência que vosmecê                      apreciou  na churrascaria. No Kibutz naquele tempo não tínhamos empregadas para tal tipo de trabalho. Todo e qualquer trabalho era realizado por nós mesmo, pois naquela época em que o mundo estava cheio de "inocentes uteis", acreditávamos na filosofia que dizia: "não se explora o homem pelo homem" e pronto, está explicado?
Fim da segunda parte (final) do tema "A LAGARTA NO PRATO DA SALADA"- ECOLOGIA.
         Todos os direitos autorais, reservados.
          Cuide os créditos


* Gaúcho: Natural do Estado do Rio Grande do Sul.
** A excelente qualidade da carne bovina é um produto direto da boa composição do pasto onde o gado se alimenta. Partes do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, figuram como os produtores das melhores carnes do mundo devido aos seus excelentes pastos .   

  

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A ECOLOGIA ÁS VEZES É COISA SERIA (a lagarta)




                                               Foto: Google-Internet
  Tema: A ecologia às vezes é uma coisa "seria"
              Paulo Lisker
              Israel
Prologo:

Hoje o mundo rico vive criticando os produtores agro pecuários por usar defensivos nos cultivos das plantas e nas carnes destinadas ao mercado comestível.
Quais são esses "defensivos" que o consumidor fica assustado com o uso deles na rotina agro-pecuária?  
A saber, são eles: Fungicidas, contra ataques de fungos e outros micro organismos, os inseticidas contra insetos causadores das pragas estacionais, os herbicidas para o controle de ervas daninhas, os hormônios usados no incentivo do crescimento mais rápido de aves e animais produtores da nossa carne do "dia a dia".
A saber, o tempo do "capão gordo" ou do "boi capado", para produção de mais carne, se acabou. O "tempo da onça" (estórias do tempo antigo), agora é historia do passado longínquo.
Eles são contra a engenharia genética que cria variedades mais resistentes às enfermidades e pragas que são os maiores causadores da pobreza no meio rural e causam enormes prejuízos econômico-e financeiros que acarretam a queda da produção agro pecuária tanto no mundo desenvolvido como naqueles atualmente emergentes.
A critica que esta gente faz, os leva a tomar atitudes de protesto através dos meios de comunicação de massa, publicidade tendenciosa e até no Parlamento Europeu, tem seus representantes causando alarido.
Conquanto ao uso de fertilizantes químicos, afirmam categoricamente que o uso destes, envenena as fontes hídricas e os solos. São também contra a adubação com o esterco orgânico, pois produz gás carbônico e atua como catalisador no esquentamento global aumentando o "rombo" do ozônio na atmosfera.
Ademais se opõem ao uso de remédios para doenças das aves e animais, dos antibióticos em especial, pois consideram que estes chegarão a nossa alimentação com os ovos e a carne destas espécies.
A fertilidade natural dos solos tem seu limite. Depois do uso continuo sem repor nada, os solos se transformam em terra árida que não serve mais para o uso agrícola.
Toda esta introdução de tecnologia moderna provocou um considerável aumento na produtividade das espécies e consequentemente levou a produção e produtividade total da agro pecuária a tal ponto que se houvesse boa vontade entre os povos dos dois hemisférios, se poderiam alimentar os seis bilhões de habitantes do globo terrestre sem problemas.
Mas isso não interessa ao consumidor rico, de "barriga cheia", a ele não importa que a produção agrícola custe mais caro e que o pobre morra de fome.
A filosofia do que tem tudo para si e para os seus e que o pobre só produz miséria, e não contribui em nada para a economia mundial, muito pelo contrario, estes são um fardo que o "mundo desenvolvido" carrega desde os tempos de Noé e eles já estão cheios de fazer beneficência e filantropia.
Têm alguns que ainda o fazem por desencargo de consciência e nada mais.
Ficam indignados e altamente comovidos quando ouvem que os ovos que chegam a nossa mesa são produzidos na "prisão" das galinhas poedeiras (galinheiros de jaulas), eles querem "free eggs", pois pensam que os animais são racionais feito gente e estão insatisfeitas com este tratamento que a humanidade elaborou com o correr dos anos para produzir mais, com maior controle e eficiência. Este sistema está baseado no principio que reza: "Galinha que come alimento caro (ração, vitaminas, remédios, micro elementos etc.) e não produz, sai da jaula e vai para o abate para não comer ração cara e viver como parasita sem produzir". Tudo isso é uma medida agronômica para evitar a fome no mundo.
O problema consiste que mais e mais gente acredita que existe um sistema de produção alternativo que possa substituir economicamente a produção em massa que a agro-pecuária convencional conseguiu implementar no mundo moderno. Meros "inocentes úteis".
Querem cambiar os inseticidas por espantalhos nos campos de girassol e fazer ruído batendo em latas, contra o ataque de gafanhotos e calda bordalesa para as doenças dos vinhedos. Querem voltar à idade media, porém muita gente acredita que é uma solução muito bonita e mais que viável.
Fruto da experiência e estudos científicos elaborados de uma forma sistemática comprovou por meios das estatísticas que a tecnologia moderna de produção agrícola alcançou resultados estupendos, mais que triplicou a produtividade por metro quadrado de solo, por cabeça animal, por metro cúbico de água.
Ademais a tecnologia moderna permitiu a reutilização de "terras marginais" (degradadas, não agricultáveis, solos desérticos totalmente inviáveis para a agro pecuária). A utilização de "águas negras" (esgoto), águas salobras, e ultimamente a dessalinização de água do mar, comprovou ao mundo que a ciência agrícola deu passos gigantes nos esforços para produzir mais comida para a humanidade. Dizem os cínicos que os "espantalhos e as panelas furadas morrem de vergonha" diante dos êxitos espetaculares da produtividade agro pecuária.
Todos estes alcances foram conseguidos para aumentar a cesta alimentar da população mundial que cresce em progressão geométrica graças a outros alcances conseguidos através da medicina, higiene, transporte, água encanada, educação e outros índices econômicos correlatos.
Porém aqueles de "barriga cheia" querem encontrar outro caminho que denominam agricultura alternativa, orgânica, salva guardando todos os princípios ecológicos e ademais, que seja sustentável e economicamente viável, produzindo muito e barato.
Este caminho é uma farsa na melhor das hipóteses, que me perdoem.
Digo eu: Essa gente está arriscando o futuro da produção de comida no mundo.
Para uns poucos, poderiam utilizar um "sistema alternativo" de produção agro pecuária, porém este seria caríssimo e com baixos rendimentos e o resto da humanidade, que se dane.
Produção agrícola para massas seria impossível realizar sem todos os avanços da agro pecuária convencional conquistados nos últimos cinquenta anos.
Minha opinião particular é: "Mais vale galinhas enjauladas, que crianças negras africanas em total inanição". E que o mundo todo se vá à merda! Primeiro gente e depois galinhas!
O mundo industrializado, comendo os produtos agropecuários produzidos segundo a tecnologia convencional com todos os insumos hoje considerados "venenosos", diminuiu a mortalidade infantil e aumentou consideravelmente a expectativa de vida da população.  
Agora compare com aos países do terceiro mundo em que quase toda produção provinda do campo é essencialmente natural (ao Deus dará) e primitivamente produzida sem nenhum insumo agrícola moderno, todos estes índices antes mencionados são verdadeiramente vergonhosos e insatisfatórios segundo os dados internacionais publicados pela UNDP.
Como diziam no meio estudantil: "O beija-flor pelas leis da física não tem condições de voar, o diabo é que não sabe física e voa". 

 A estória da lagarta na salada de verduras 
(parte 1)

Agora amigos vamos por em "pratos limpos" (coisas que realmente aconteceram) a uma equipe de técnicos especialistas agrícolas, brasileiros e israelenses que estavam durante dois anos "batalhando" para mudar e melhorar a agro pecuária gaúcha que com o tempo estava ficando obsoleta e perdendo o mercado internacional  causando prejuízos enormes a balança comercial brasileira. 
Nos anos 60 estávamos voltando para Porto Alegre ao terminar uma missão no interior do R.G. do Sul. (Alegrete, Livramento, e Rosário).
O trabalho no município de Alegrete* muito nos honrava e enaltecia, pois foi o berço do ilustre diplomata brasileiro Osvaldo Aranha que presidiu a sessão na ONU, que decidiria sobre a criação do Estado de Israel.
Foi ele que nesta reunião, "bateu com seu martelo" ** na mesa da presidência depois de ter lido o resultado positivo da votação dos países que compunham esta dramática reunião. 
Deste momento em diante se tornara realidade a fundação do Estado de Israel que permitiu ao povo judeu estimulado pelo movimento sionista o seu retorno depois de 2000 anos de "galuth" (exílio), "a terra dos patriarcas".
Os países que compunham esta decisiva reunião votaram da seguinte maneira: 33 a favor, 13 contra, 10 abstenções e uma ausência.
Finalmente, fora cumprida a profecia feita por Isaías, a mais de 2600 anos antes. (66:8).
Grande alegria invadiu os corações deste povo e daqueles que eram favoráveis que isto se tornara uma realidade. Bom até aqui historia, agora voltemos à realidade no Rio Grande.
Já era noite, estávamos horas rodando sobre os 360 quilômetros de muito chão de terra batida e poeira vermelha da cor do barro daqueles solos.
Acompanhava-nos através das janelas abertas do Fusca o cheirinho do mato fresco e úmido, da vegetação exsudando e fabricando clorofila e gás carbônico. Centenas de pirilampos (vaga-lumes) iluminavam o caminho, dentro e fora do carro. Uma experiência impar para aqueles técnicos que durante quase toda sua vida viveram no "asfalto" (habitantes de cidades).
Aqueles menos expertos (os pirilampos), que não tinham sorte, se espatifavam no pára-brisa do Fusca (nome dado ao Volkswagen de fabricação nacional).
Interessante o fenômeno que mesmo depois do acontecido estes ainda emitiam por uma fração de segundo sua ultima descarga de luz, como se iluminassem o seu retorno ao Criador, este que nos permite o grande espetáculo da natureza numa estrada que parece não ter fim, numa noite quente e empoeirada, dentro de um Fusca apertado pra "cacete" e fedendo a álcool (pois essa era a tecnologia que o Brasil desenvolvera para economizar os gastos com a gasolina importada).
Tudo em volta, virgem, ecologia perfeita, a natureza no seu máximo esplendor e pureza, ainda intocável pela vil mão do "homem mau".
Cícero, o "hídrico" que vinha dirigindo cansou e quase já não mantinha os olhos abertos e a direção aprumada. Era o resultado de uma semana difícil de trabalho nos campos gaúchos.   
Resolvemos parar em Raabelandia para cear e evitar chegar em casa com fome e importunar a patroa sonolenta com o preparo de um lanche há esta hora quase de madrugada. A coitada não teria ajuda, pois hoje era dia de folga da empregada. Porra, só essa era o que faltava!
Então para que importunar se podemos pegar um descanso merecido e um rodízio de carnes numa churrascaria do interior, antes de cruzar o Riacho da Alemôa e retornar a Porto Alegre.
Estacionamos o "fusca" movido a álcool, saímos daquela "ostra", caminhamos um tiquinho (andar um pouco), para esticar as pernas e fomos em busca de uma churrascaria aberta.
Coisa interessante que só viemos a descobrir agora ao estacionar depois que partimos de Alegrete.
No vidro traseiro do carro, estava colada uma nota interessante que dizia o seguinte: 
-"ESTE VEICULO É MOVIDO A ÁLCOOL E O MOTORISTA TAMBÉM".
Sem problemas logo encontramos o Restaurante e Churrascaria "O Gaúcho do Mio-Mio" que nunca fecha as suas portas e funciona ininterruptamente 24 horas por dia, durante toda a semana, não tem sábados nem domingos, estão no "batente, todo santo dia".
O "Mio-Mio", para quem não conhece a botânica dos pastos do R.G. do Sul, é um vegetal nativo e muito comum nos pastos que alimenta os rebanhos bovino e ovino.  A característica desta espécie é ser muito venenosa (tóxica) para os animais que o consumem em conjunto com outras ervas nos pastos de boa qualidade deste Estado e que causam a morte dos animais.
Interessante que com a fenação (depois de cortado e secado), o veneno deste "matinho" se volatiliza e deixa de ser tóxico e torna-se um componente alimentício nos fardos de feno.
O feno é um alimento indispensável para os rebanhos nas épocas frias quando o campo naturalmente não rende o suficiente para alimentar mais que "meia cabeça adulta" ***.  Significa que seria necessários mais ou menos dois hectare para alimentar cada cabeça de gado, em muitos casos se complementa com feno esta falta de produtividade do terreno.
Caminhamos rápido meio cambaleando em direção do cheiro da "carne na brasa" que emanava pelas portas da churrascaria e se espalhava pela Praça General Osório, todinha.
Na praça não se via uma alma viva "nem pra remédio" (maneira de falar no jargão corriqueiro), estava vazia de gente naquela hora da noite, só cachorros e gatos perambulavam atraídos pelo cheiro da carne na brasa.
Concluímos que nesta churrascaria "tiraríamos a barriga da miséria" e assim foi.
Éramos quatro técnicos de campo, cada qual com sua especialidade. Um agrônomo, um engenheiro hidráulico, um planificador rural e um zootecnista. É o que chamamos uma equipe inter-disciplinaria.
De brincadeira todos quatro tinham apelido.
O agrônomo chamávamos "verdureiro", o engenheiro hidráulico de "hídrico", o zootecnista de "Zebu" e o planificador de "Jesus sabe tudo" e que na realidade era uma enciclopédia ambulante.
Os quatro de "pernas bambas", (levemente embriagados), pela quantidade enorme do vapor de álcool por nós aspirado durante horas de viagem no fusquinha safado que evaporava o etílico uma "barbaridade" nas horas quentes do dia. Diziam os entendidos, que a metade do uso deste combustível se perdia por evaporação e não por combustão interna no motor. Pode ser um fato verdadeiro, pois testemunhamos o fenômeno nós mesmos.
Desta forma entendemos melhor o que dizia o anuncio no vidro traseiro do carro, só deveríamos acrescentar uma ressalva, que também os passageiros estariam incluídos na filosófica frase: "Todo o mundo movido a álcool".
-Nada de beber minha gente! Advertia em serio o doutor Lupo o zootecnista (o Zebu).
-Beber agora só em casa antes de dormir, pois quem bebe não dirige, ainda mais transportando quatro técnicos internacionais, todo cuidado é pouco.
O pessoal ria com o português do Dr. Lupo que só recentemente veio de Israel colaborar nesta missão de melhoramento dos pastos e do gado de corte no Rio Grande.
-"Vamos só comer carnes", ouçam o meu conselho dizia doutor Saghy (a "enciclopédia ambulante"), "O preço é o mesmo se comer pouco ou muito, só vinte cruzeiros, por cabeça". É rodizio minha gente, come até não puder mais! Já viu???
     
 *O projeto "Sudoeste 1" (Colaboração Brasil-Israel). O município de Alegrete foi o epicentro onde arrancou para o seu desenvolvimento o primeiro projeto agro pecuário, tecno-sócio-econômico, pioneiro no sul do Brasil (no período militar). 
** O "martelo" foi doado ao kibutz de brasileiros "BROR HAIL". Está em exposição ao publico que visita a "Sala Casa do Brasil", neste assentamento agro-industrial, no norte do deserto do Neguev em Israel. Área parecida ao nosso sertão no nordeste brasileiro, com uma diferença, em Israel, todos os campos possuem sistemas de irrigação por aspersão ou gotejamento.
*** "Cabeça adulta" é uma unidade técnica de calculo para uniformizar a alimentação segundo o peso e idade dos diversos animais que compõem o rebanho.

Até aqui a primeira parte da A estória da lagarta na salada de verduras. 
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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O SANTO DE BEBERIBE (Parte 4, final)

O SANTO DE BEBERIBE  


O que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker
Israel

A terceira aquarela do Recife judaico
O SANTO DE BEBERIBE-(Hamalach - O Santo)
Parte 4-Final
Outros tempos, Bondes para Beberibe e outras áreas suburbanas do Recife no principio do seculo XX
                                                       Foto: Google, Internet

Agora voltamos aos tempos do "santo" Meierle em Beberibe.
Naqueles anos sem bondes e pouquíssimas linhas de ônibus que chegavam a este subúrbio era este sitio um lugar muito afastado mesmo. 
Como diziam no falar do povo: "Um lugar onde Judas perdeu as botas". Sabem o significado disso? Pois bem, ai vai a explicação:
Judas recebeu como pagamento pela traição do seu mestre Jesus, 30 moedas e as escondeu dentro das botas. Fugindo de seus perseguidores e para correr mais rápido as descalçou e as escondeu entre as pedras do caminho. Como nunca mais voltou ao local, então todos os povos daquela área viviam procurando as botas de Judas para levar o dinheiro, nelas escondido.
Até aí lendas, agora voltaremos a realidade.
O "santo" era um senhor franzino baixinho de cabelos brancos e bem lisos, olhos da cor das esmeraldas, sempre vestido com roupas de tecido de fustão natural ou de "brim" de linho branco, calçava alpercatas das mais simples que sempre comprava nas feiras livres do arraial ou nas vizinhanças por onde peregrinava nas suas andanças.
Na realidade se parecia a um frade de algum convento austero ou um anjo que baixara a terra por uns tempos, daí pegou o apelido "o Santo", ou der Mulech (o santo, em iídiche derivado do hebraico).
Se não me engano ele era "meio vegetariano"por convicção própria (se existe tal definição). Só comia as suas próprias hortaliças e frutas as quais eram produzidas no seu sitio.
Agora no Brasil, no seu Beberibe de "verão eterno", podia produzir agricultura durante todo o ano. Que beleza.
Sem neve durante os meses de inverno, como acontecia na Europa e que impossibilitava fazer qualquer atividade agrícola. Isso se acabou, graças ao bom Deus.
Seu comportamento era meio estranho, parecia ser "vegetariano" ou coisa parecida, porém ás vezes comia peixe que abundava nos rios e riachos da vizinhança.
Em tempo é bom frisar que só se alimentava daqueles peixes que tinham escamas, pois estes eram considerados Cusher (permitidos para aqueles que guardam algo dos costumes religiosos judaicos).
A saber, os peixes sem escamas, são terminantemente proibidos para a alimentação dos crentes judeus por serem considerados "Treifá", proibido para consumo humano.
Sem duvida nenhuma podemos dizer que no seu sitio nunca foi usado nenhum produto químico para adubar a horta ou para a sanidade vegetal ou animal.
Até o combate aos carrapatos das três vacas e uma bezerrinha que possuía, era uma praga de difícil controle, especialmente num clima tropical e de alta umidade relativa do ar.
Ele os combatia com a ajuda das valentes galinhas "carijó" (aquelas do pescoço vermelho e em geral pelado), que as criava soltas no terreiro. 
Estas galinhas, caçavam e devoravam os carrapatos quando estes caiam do corpo das vacas no solo para procriar e assim evitavam a infestação sucessiva. As vacas ficavam livres dos carrapatos e estes serviam como proteína de primeira qualidade para as galinhas. Desta forma se rompia o ciclo reprodutivo deste perigoso parasita sem utilizar os tradicionais "banhos" adicionando a água um material químico altamente venenoso ao solo e fontes hídricas.
Os ovos destas galinhas, livres de alimento concentrado (ração) ou hormônios (coisas da tecnologia moderna), tinham gemas vermelhas feito às telhas de antigamente. Vinha gente de longe comprar ovos das poedeiras do "santo Meierle" que ele mesmo nunca os provou.
Este homem foi o precursor da agricultura sustentável e orgânica no Brasil.
Os imigrantes japoneses que foram assentados em São Paulo adotaram este sistema de produção agrícola muito depois dele em Beberibe.
Agora vá e procure nos anais da historia da agricultura brasileira ou pernambucana, alguma referencia sobre este fato, "necas" (nada, na língua do povo), nem só uma única palavra. 
Só agora estamos dando publico a este acontecimento e as honras merecidas ao "Santo" Meierle,  este veterano precursor do sistema agrícola "orgânico" e sustentável no Brasil. 
Em tempo vale a pena acrescentar que outros judeus que possuíam parcelas de terras (sítios), também optaram por este mesmo sistema de agricultura caseira sem nenhum conhecimento anterior e assim procediam por achar que a agricultura tem que ser a mais natural possível e com a minima  intervenção humana para não ferir a natureza que produz os nossos alimentos.
Hoje este tipo de produção é um surto do "chique", quase incontrolável no mundo rico, de "barriga cheia". Só eles podem-se dar ao luxo de consumir produtos comestíveis produzidos segundo a agricultura orgânica e sustentável, pois ela é cara "pra cacete" (por demais).
Naqueles bons tempos era a única maneira de produzir comida barata sem insumos artificiais quaisquer que só hoje sabemos quanto prejudiciais  são ao ser humano e a natureza, quando mal utilizados.
Com a chegada do bondes a este arrabalde, o "santo" que cultivava a sua horta, um pomarzinho com alguns "pés de pau" (de fruta local), tudo era "pé franco", nada de enxerto e ademais na sua pequena vacaria produzia uma excelente coalhada. 
Não me perguntem em que condições de higiene, isso só Deus sabe. Mas que ele era pedante, isso não tenham duvidas.
De passagem pode-se dizer que seus ajudantes na faina agrícola eram por demais cuidadosos nos seus afazeres, aprenderam a se conduzir assim com o "santo" e seu "maneirismo". 
E mais, tem trabalhos agrícolas que estão inseridos na bíblia e que exigem o máximo cuidado e tratamento na sua execução. Vai até mais longe e exige que somente judeus sejam aqueles que o elaborem. 
A saber: Todo o processo do vinho, dos produtos lácteos, abate de aves e animais quadrúpedes, tem que ser realizado unicamente por judeus.
Está escrito e o crente seguirá os mandamentos ao pé da letra, pois só assim os produtos elaborados serão considerados "casher le mehadrim", permitidos para alimentação de acordo com os princípios ditados pela religião judaica.
Os judeus sempre deram um valor medicinal à coalhada, especialmente para o bom funcionamento e problemas no aparelho digestivo. Costumes importados das pequenas aldeias européias (shteitlach), onde viviam no passado.
Mesmo quando o leite coalhava (azedava na língua do povo), que muito acontecia nas condições domesticas e o processo artesanal de produção, nada se perdia.
Nas aldeias pobres do leste europeu, com este leite produziam queijo branco caseiro que se conservava durante muito tempo em relação à matéria prima, o leite, que logo se deteriorava.

Com a chegada dos bondes a este subúrbio, o "santo" Meierle se mandava (viajava) para o Recife duas vezes por semana.
Levava a sua produção de coalhada num grande "sloi" (Um garrafão de vidro de boca bem larga) "tapado" (coberto, na língua do povo) com um trapo de pano branco como neve para evitar poeira, moscas e outras impurezas que eventualmente poderiam cair no seu interior. 
Poeira, não, porem qualquer inseto que caísse no produto já elaborado, o contaminava e o transformava em "não casher" e absolutamente inutilizado para alimento de judeu crente ortodoxo. O santo cuidava demais por servir um alimento produzido no seu sitio segundo as regras mais severas da "cashrut".
Levava ademais uma lata com manteiga de cor amarela. Tudo de fabricação caseira artesanal.
Um meninote que vivia no sitio acompanhava o senhor Meierel e ajudava com os vasilhames para subir e descer dos bondes e perambular pelas ruas do bairro da Boa Vista no Recife.
A venda da coalhada era feita na porta das casas.
Usava uma grande concha de sopa para despejar o produto direto nas panelas das freguesas. Quatro conchas bem cheiinhas eram consideradas um litro e o pagamento de acordo.
Naquele tempo não era muito normal ver o "santo" ser chamado aos postigos das casas de não judeus quando ele passava no Bairro da Boa Vista vendendo os produtos do seu sitio (Bairro mormente de população judaica). 
Para mim quando menino me parecia estranho. Com o tempo os veteranos da nossa colonia me deram a explicação. Diziam eles que parte da população local por mais que cuidasse, sofria de problemas gástricos (diarreias ou prisão de ventre) e a solução era em geral uma dieta de alguns dias com a coalhada do santo de Beberibe.
Já com a manteiga, que eu saiba, ela não tinha grande aceitação entre os judeus, pelo menos na minha casa ou das nossas vizinhas.
Talvez pela cor amarelada ou pelo seu gosto meio rançoso e preço caro.
Diziam que para não levar de volta o produto sobrante para o sitio, ele vendia pela metade do preço ao senhor Lopes, um portuga, dono de uma venda de secos e molhados na esquina da Rua Gervásio Pires com a Rua do Jiriquiti. Em casos raros deixava também na venda de senhor Ambrósio (também de origem portuguesa) no Pátio da Santa Cruz. Nestas quitandas (em geral todos os donos de quitandas eram de origem portuguesa), este produto tinha boa saída, pois vendiam aos goim (não judeus) que apreciavam esta manteiga e até elogiavam o "judeuzinho franzino" (o Santo) por fazer uma coisa saudável e tão apetitosa. Era meio fedorenta e rançosa, porém quanto ao gosto e cheiro, quando se trata dos oriundos de Portugal, então cheirinho e sabor esquisito não se discute.
Ele também deixava a manteiga na venda dos judeus do senhor Salomão e dona Rosa Litvin na Rua da Matriz, mas não resultou. Os fregueses eram em geral judeus e a manteiga amarelada e rançosa, não era do paladar do judeu de origem européia. No fim o que sobrava davam aos gatos caçadores de ratos na venda de dona Rosa e aos demais da Rua da Matriz.
As poucas vezes que compramos esta manteiga dele foi quando a oficial sumia do mercado (já escrevemos noutra crônica sobre este fenômeno muito comum no Recife matuto). Lembro que a medida era a nossa mantegueira, aquele objeto de vidro que se punha sobre a mesa com manteiga. O santo enchia a mantegueira com uma espátula de pedreiro e cobrava o preço que cobria pelo seu trabalho e transporte. Era uma manteiga cara, mas para que não faltasse em casa, comprávamos mesmo contra gosto.
Cabe salientar que as condições e o processo da produção eram as mais primitivos, como na idade medieval, sem botar nem tirar.

A família Meierel apesar do passado sofrido pelo trabalho da terra, tanto na Europa com no sitio em Beberibe, a pobreza em que vivia, vendendo algo da produção, mormente perecível, de porta em porta no bairro da Boa Vista quase uma hora e meia de viagem de bonde de Beberibe, nunca deu o braço a torcer. Verão e inverno estava ele e o menino ajudante, caminhando de porta a porta oferecendo os seus produtos alimentares (lácteos e hortigranjeiros) oriundos da seu sitio em Beberibe.  
Aí vem a grande vitória de vencer mesmo contra tudo e todos, a terceira geração desta família tem estudos universitários e todos depois de alguns anos estavam bem de vida.
É como diz o Psico terapeuta e escritor recifense o Dr. Meraldo Zisman:
"OS FILHOS DOUTORES DOS IMIGRANTES JUDEUS PRESTAMISTAS" 
Compreensivo esta rejeição de relembrar um passado doloroso, porém nem por isso menos glorioso, heróico e o mais curioso desses judeus:
"Analfabetos formadores de doutores”.


Fim da terceira "Aquarela judaica do Recife", O SANTO MEIERLE DE BEBERIBE. Possivelmente existiram mais algumas e nós não os detectamos por falta de nossa capacidade no assunto. Que me perdoem os que ficaram incógnitos. Sinto muito.
Paulo Lisker


domingo, 11 de janeiro de 2015

O SANTO DE BEBERIBE (Parte 3)



O SANTO DE BEBERIBE  (parte 3)





Vendendo algum produto lácteo nas ruas da vila (o jumento, a carroça e o tonel com o produto).
Foto: Google - Internet 
Os pregões que me lembro do Recife "matuto".
Paulo Lisker
Israel

A terceira aquarela do Recife judaico
O SANTO DE BEBERIBE-(Hamalach - O Santo)
Parte 3



Em Beberibe ele tinha um sitio e lá vivia. 
Era um dos poucos judeus que eu lembre que eram "donos de terras" (um sitiozinho). Certeza se ele mesmo era o proprietário não tenho. Uma possibilidade seria que o tal sitio era arrendado de outrem.
Os outros eram:
Os Choze, que tinham um sitio plantado com coqueiros anão, lá para os lados de Paulista e ademais na época de safra em Pernambuco fazia doce artesanal de "jaca dura". Certamente não vivia disso, pois tinha uma joalharia enorme na Rua do Rangel.
Outro era o senhor Faingold que tinha umas terras lá para o lado das Mercês e plantava laranjas de boa qualidade e até utilizava plantio em "curvas de nível", pois tinha o terreno por demais ondulado e assim evitava a erosão do solo. 
Os Mesel que tinham umas terras lá para aquelas bandas de Beberibe.  (se alugadas ou não, desconheço), sei que as cuidava e administrava com muito carinho e produzia agro pecuária em pequena escala como um bom profissional na matéria.
O casal Marcos e Sure (Sarah) Sterenstein também tinham um sitio nas cercanias e parece que se contentavam com o que produziam e até punham a disposição dos veranistas judeus do Recife, os seus alojamentos. Nos tempos das ferias colegiais cedia parte do seu sitio para montar o acampamento de movimento juvenil de grupos sionistas que se preparavam para ascender um dia a "Terra Santa", Israel.
Até meu tio Jorge (Naftali) Weinberg, se meteu no agreste nordestino e produzia algodão "Mocó" e mandioca. Contam que já naquele tempo ele exportava "raspas de mandioca" para os países nórdicos.
Possivelmente mais algum outro judeu vivia metido no mato produzindo alguma agricultura, mas era raro demais, não era nada comum que judeus sem mais nem menos se metessem no mato logo ao chegar ao novo continente.
Em geral eles se estabeleciam junto a seus patrícios num núcleo urbano por menor que fosse, e lá se fixavam.
Buscavam a possibilidade de alugar um lugar para morar, queriam a existência de uma escola primaria (iídiche) para os meninos, receber conselhos dos veteranos no que diz respeito no que trabalhar para poder sobreviver. Em geral o primeiro trabalho (às vezes era para toda a vida), eram as vendas de porta em porta nos subúrbios, a conhecida profissão de "ambulante prestamista" (em iídiche, "klientelchick), vendendo a credito (prestação) a população menos favorecida. 
Outros serviços importantes para o emigrante era a existência de serviços religiosos, açougue que vendesse carne casher (abate segundo as o ritual judaico).
Que o idioma "iídiche" fosse conhecido e praticado pela maioria da comunidade para uma fácil e pronta comunicabilidade. A existência de um lugar para rezar  (a sinagoga) e para festejar os dias comemorativos do calendário judaico. Um cemitério em que o defunto recebesse um tratamento regido pelas normas religiosas judaicas, pois até para ser enterrado necessita seguir as normas ditadas pela bíblia. "Difícil de ser judeu" (Shveir tzi zain a iíd, em iídiche). Assim dizem os patrícios entre si;
Logo se organizavam e formavam uma comunidade, procurando criar os serviços mais necessários para manter os seus costumes tradicionais trazidos de Europa como parte de sua bagagem cultural e religiosa. 
Por isso mesmo se meter no mato sem todas essas "mordomias" que todo judeu recém chegado necessita (até exige), fica meio difícil de acreditar que por sua livre e própria vontade deixe o "calor" da sua comunidade e se vá meter a trabalhar a terra nos arrabaldes ou mesmo no interior do Estado. É difícil, mas acontece, pois a vida também tem dessas coisas. 

O que se sabia do passado da enorme família Meierel na Europa era que vivia numa "nesga de terra" (diminuta parcela) como "vassalo" (arrendatário) de um "puretz" (goi, rico e dono de terras).
Estava longe de qualquer cidade ou da "civilização" em geral.
Agarrava-se a ela com unhas e dentes e trabalhava arduamente no verão quente e nos invernos dum frio danado, lutava para sobreviver, pois a neve cobria toda a região com pelo menos um metro de espessura de gelo.
Trabalhar a terra no inverno, nem se fala, pois o frio intenso a tornava dura feito concreto armado, nem picareta ajudava.
Assim sendo, tinha que conseguir bastante produção no verão para sobreviver o inverno, ele, a família e seus animais domésticos.
Mesmo nestas austeras condições, cumpriam com todos os mandamentos religiosos judaicos no que diz respeito à exploração da terra e cuidados com os animais.
Saibam que a religião judaica é uma filosofia de vida, tem mandamentos e regras de como interpretar tudo que acontece no universo e as soluções são como dita a Bíblia.
O descanso no sábado é sagrado e era uma praxe mais do que normal. Paralisavam todas as atividades agrícolas na granja para descansar, rezar, ler e reler a Bíblia sagrada e nada mais alem disso.
O judeu "crente" não estava envolvido em nenhuma atividade física. Não havia exceções nem para as atividades agrícolas.  Quando fosse necessário executar alguma atividade no Sábado (shabat), assim como, a ordenha (atividade imprescindível neste ramo pecuário), ou servir alimentos aos animais, então pagavam a um goi (não judeu), para realizar esta missão, pois o sábado é sagrado, nem acender fogo nem trabalho de espécie algum.
Era "pausa pra meditação", tanto no sábado, assim como nas datas religiosas do calendário judaico e no ano "sabático".
No ano "sabático" (o sétimo ano de uso continuo do solo com as atividades agrícolas), deixavam a terra descansar. Esta ficava ao ermo recuperando-se durante o ano todo. 
Esta regra incluía também os animais de serviço, eles passavam o ano todo pastando, ruminando e vagabundando.
Era norma obrigatória a pratica da rotação de cultivos (Machzor Zraím, em hebraico).
Explico-me: Um determinado cultivo só era permitido voltar e ser semeado na mesma terra quatro anos depois de colhido, isto para não possibilitar as enfermidades e insetos predadores do solo se arraigar (ficassem bem instalados) e atacar o mesmo cultivo caso voltassem a semear no ano seguinte.
Nunca praticavam o "kilaim*" (cultivo consorciado, dois gêneros de vegetais distintos no mesmo campo ao mesmo tempo, ex. milho e feijão semeado juntos). Esta pratica estava condenada como impropria pela Bíblia.
Nos tempos bíblicos, livravam também os escravos (naquele tempo era permitido), para que pudessem se recuperar. Queiram ou não, essa Bíblia dos judeus era um compendio de leis sociais e normas de trabalho que antecedeu quase três milênios a era moderna quando alguém pensou sobre este tema.  
Ele cumpria com esta serie de leis e regras do trabalho agrícola, como ditam os princípios religiosos. Uma espécie de agricultura segundo as escrituras sagradas.  
O senhor Meierle e sua família se conduziam como agricultores da "Terra Santa" nos tempos bíblicos. Pelo menos se esforçavam por fazê-lo.  
Viviam do que produziam, pagavam pelo uso da terra ao "Purets" com um quinto da produção, armazenavam algum excedente para os tempos que a neve cobria tudo e impossibilitava as fainas agrícolas. Algo vendia nas feiras de vassalos da região, todo domingo.
O trabalho era todo ele realizado pela família sem nenhum assalariado goi (não judeu).
"Casher le mehadrin" (cuidados sanitários e regras religiosas sem que falte "nem um ponto nos ii") coisa difícil de realizar nas condições de vassalo e trabalho em campos alheios, mas faziam tudo para cumprir como diz a Bíblia sagrada.
Tem um ditado curto em iídiche que diz tudo: "Difícil de ser judeu". Porem os Meierles se conduziam perante Deus e o mundo como judeus ortodoxos e cumpriam todos os mandamentos como os seus ancestrais.
No final das contas era uma clássica agricultura de subsistência como a do nosso matuto camponês brasileiro no interior com uma diferença que tinha ademais que seguir as leis ditadas pela bíblia no que diz respeito ao trabalho da terra.
Um dia eles se aborreceram os com o "Puretz" que exigia cada vez mais do seu vassalo, mesmo em anos que a produção se perdera por este ou aquele motivo, climático ou sementes defeituosas que não germinaram. A chuva não foi suficiente na época em que os cultivos dela necessitavam ou violento ataque de milhares de pássaros famintos provenientes da Sibéria gelada e assim por adiante.
Aborrecido, arrumou sua trouxa e veio embora com a família, como fizeram muitos judeus europeus no principio do século XX, em busca de uma nova vida, sem Puretz (donos de terra exploradores dos pobres vassalos), livres de pogrom (violência, perseguição contra judeus) e pássaros famintos vindos da Sibéria. 
Um dia a coisa rebentou , não aguentavam mais o sofrimento e bradaram baixo o ceu europeu: "Que se vão à merda,  filhos duma egua", vamo-nos embora para o Novo Mundo, prá América"
Decididos e cheios de esperanças rumaram para o "desconhecido", os Meierls vieram parar no porto razo do Recife.
Até aqui a terceira parte do SANTO DE BEBERIBE.
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